quinta-feira, 20 de junho de 2013

Desencanando minha biblioteca..




Ao escrever uma resenha para disciplina do meu eterno bacharelado em letras pela Federal Universidade das Minas Gerais sobre o ensaio: Desempacotando minha biblioteca- de Walter Benjamin..me vem a mente, e ainda que nínguem tenha me perguntado..a minha própria; humilde biblioteca.

Sobretudo a origem primeva dela!

Biblioteca esta que segundo recente recenseamento possui hoje algo em torno de uns quinhentos volumes, quiçá!? E sinto que é impossível não me comparar, ou de comparar-me ao “herdeiro” que Benjamin descreve já no final do texto, onde diz: A herança é a maneira mais pertinente de formar uma biblioteca.

Meu falecido pai chegou no ápice de seu colecionismo, bibliomaníaco, uma vez que definitivamente, e por ser um diletante em todas as matérias, uma vez que não se aprofundava em assunto algum; a ter, algo em torno de seis mil volumes dentro de apartamentos.

Motivo pelo qual creio que ao se aposentar, e sobremaneira para manter seu casamento, foi se aventurar no maravilhoso e secreto mundo dos alfarrábios, como forma de dar vazão à sua significativa biblioteca e a seus anseios de livreiro enrustido.

Montou na cidade de Formiga, a Vaca de Letras, uma mistura de sebo de livros, revistas, cd´s, vinis -fazíamos cópias inclusive-, antecipando à pirataria virtual!; ladrões avant lettre!, clube de xadrez (aos sábados), galeria e vendinha de produtos de que dispunhamos na chácara..que iam de abacates, acerolas, ovos à escargots e queijo minas..

O sebo tinha tão singular nome por ser localizada numa garagem da chácara em que vim a morar, que se situava entre a casa e o curral.

A "logomarca" habilmente desenhada pelo meu irmão mais velho, artista de plástico, madeira, papel..autor de livros infantis e ilustrador..era uma simpática vaquinha que lia despretensiosamente Os Sertões; de Euclides da Cunha.

Não muito depois a “ empresa” cresceu e montou uma sucursal na Faculdade de Ciências e Letras daquela cidade, passando a representar editoras, encomendando e vendendo livros novos e usados.

Virou uma livraria, a rigor!

Em épocas pré internet, vale lembrar, sobreviveu; diga-se de passagem, até mais ou menos bem. Numa cidade que até então não tinha livraria e que se encontra "agora' órfã das belas letras..desde a época em que ele veio a destituir-se de viver...

Trabalhei com meu pai nos dois anos em que me exilei em Formiga, e para cada livro que vendia, roubava dois ou três, ou mais!

..mas depois do suicídio daquele que me ensinou a amar os livros e a viver a literatura na sua plenitude, bibliófilo de berço; de papel!!!..veio o amarelecimento dos anos e dos papiros..

Herdei o que não roubei, o que não foi doado e o que meus irmãos, um disléxico e o outro analfabeto funcional, não quiseram, ou não compreenderam.

Há neste espólio duas pequenas raridades que me foram dadas ainda em vida: Um Moliére, de 1674 e um Discours de Rousseau, de 1769, brochuras maravilhosamente encadernadas em couro, adquiridas por um primo querido no mais antigo sebo de londres.

Ainda hoje as olho, e um sal agridoce me escorre pelos olhos..e uma pontada percorre como uma flecha o caminho entre o cócix e o coração..

A poucos anos foi fundada em Formiga uma pequena biblioteca, logo na entrada da cidade, que se chama Biblioteca Pública Municipal Osório Garcia.

Saudade da época em que lhe roubava sonhos..

quinta-feira, 13 de junho de 2013

TRAVESTI-DO TIETÊ!? ..Ao Capitão..

ALERTE-OS
LAERTE!

O FUTURO JÁ CHEGOU !!!

A REVOLUÇÃO FOI TELEVISIONADA.
O REVISIONISMO FOI REVISIONADO.

O CAPITALISMO
À TUDO
À TODOS
DEVORADO.

ESTADO ESTÁTICO.
TODOS ESTÁTUA.

1,2,3 SENTIDO!

SINTO MUITO,
NÃO FAZ SENTIDO.

VOCÊ TEM DIREITO A UM ADVOGADO.
TUDO O QUE QUISER-DISER OU FIZER.
SERÁ USADO CONTRA VOCÊ
DENTRO E FORA DO TRIBUNAL.
CAÇADO COMO UM ANIMAL.

LHE COLOCAREMOS UM GPS ANAL.

CARREGARÁ E CAGARÁ TODO 'SANTO' DIA..O MALDITO CÓDIGO PENAL..

VOCÊ QUE NÃO TEM DINHEIRO- TERÁ DIREITO- DIREITA VOLVER -
A UM ADVOGADO DO DIABO,

OU O PRÓPRIO DIABO
SERÁ SEU ADVOGADO!

O SIONISMO INCORPORADO -UNITED STATES OF AMNÉSIA-
O POVO PALESTINO NÃO PERDE A TERNURA HAMAS !!!

O CINISMO INTERIORIZADO
O CORPO INCORPORADO (INCORPORATED)
O POVO CONFORMADO

COM FOME-CONFORME

TRANSFORME-SE
NUM TRANSFORMER.


A CORPORAÇÃO NOS ARRANCOU:

O CÉREBRO.
A ALMA/A PAZ/A CALMA.

& O CORAÇÃO.

USAMOS ESCUDOS EXCUSOS
COMO
OBJETOS DE-DECORAÇÃO.

50%OFF!?
NO BUTÃO
DOS OUTROS
É PROMOÇÃO!

A INDIFERENÇA COMO MEA-CULPA.
A DEMOCRACIA COMO DESCULPA !!!


QUERO CHEIRAR GÁS HÉLIO.
FICAR ESTÉRIL.
NÃO REPRODUZIR!

ME SUICIDAR DE
TANTO RIR..

VOAR-MORRER-SUMIR.

BOMBAS DE GÁS LACRIMOGÊNEO
JÁ NÃO ME FAZEM CHORAR.

TEM ALGO ESTRANHO
-MUITO ESTRANHO-
NO AR.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Augusto & Rimbaud- cópia deinsegurança!

Guilherme Fernandes Garcia








Jovens, gênios & bestas: precocidade e bestialogia em Augusto dos Anjos e Arthur Rimbaud.
Belo Horizonte- 2013
“A Poesia dos insanos ofusca a dos sensatos” -Platão, Fédon.

1- À Guisa de intuição-

Ao Introduzirmos nos campos de estudo de literatura comparada esta monografia que tem por finalidade estudar as questões da bestialogia e da precocidade nas formações das poéticas de Augusto dos Anjos(1884-1914) e de Arthur Rimbaud(1854-1891). A partir do entendimento de que criações elaboradas por poetas muito jovens, em formação de caráter, ambos tendo começado a escrever muito cedo, ainda na infância, e escrito a maioria de suas mais importantes peças sem sequer haver atingido a maioridade, ou pouco mais que isso.E lê-los sob a ótica da poesia bestialógica que como quis Massaud Moisés:

“A poesia bestialógica ou pantagruélica, jorrando das profundezas do subconsciente ainda mal desperto, se destinava ao riso inconseqüentemente estúrdio e as fugas sem retorno.” (História da literatura Brasileira pág 139)

Veremos nos conceitos que guiaram a formulação do trabalho, os de Precocidade e de Bestialogia, que definem-se por:

a)Precocidade: característica ou estado do que é precoce.

b)Precoce: 1- que frutifica ou amadurece antes do tempo normal ou antes dos demais; temporão 2- que acontece muito cedo para os padrões normais, prematuro, antecipado, extemporâneo 3- que muito cedo demonstra capacidades ou habilidades próprias de crianças mais velhas ou de adultos. (Houaiss, pag. 2282)

c)Bestialogia: ato ou capacidade de proferir bestialógicos.

d)Bestialógicos: 1-sem nexo, estapafúrdio, asneirento, disparatado. 2- escrito, discurso ou afirmação cheia de absurdos ou asneiras, béstia.
(Houaiss, pág 439)

Que; na literatura, o bestialógico ou pantagruélico, é uma tipo de poesia cujos versos não tem nenhum sentido aparente; ainda que bem metrificados, se utiliza do burlesco, do satírico, do non-sense, do tom grotesco, da poética do absurdo, remontam à sátira menipéia e tem suas sementes plantadas no Brasil pelo poeta Bernardo Guimarães, da segunda geração de poetas românticos.


A idéia central deste trabalho é fazer ver, através da análise dos estudos da fortuna crítica de Augusto dos Anjos; elegendo o de Fausto Cunha, -que é aliás o único estudioso a sugerir a possibilidade de estudos das obras deste dois vates, a partir da perspectiva da bestialogia:

“A interpretação do bestialógico Augustiano como intencional viria colocá-lo num grupo extraordinário, onde já se encontram Artaud e Jarry, e o aproximaria ainda mais de Baudelaire, de Verlaine, de Rimbaud.”(Fausto Cunha- Augusto dos Anjos-Obra Completa, pg 168).

De forma geral e concreta intencionamos, dentro da questão da precocidade, destacar as semelhanças entre ambos no que concerne questões de ordem biográfica, sem explorar os desdobramentos de caráter psicanalítico, por não entendermos ser o intuito deste trabalho.

Trabalho este que foi organizado dentro de uma estrutura não aristotélica e que foge, via de regra intencionalmente, da rigorosidade da escrita acadêmica e científica.

2- Desmistificando o envolvimento

Devemos lembrar- a título de Desenvolvimento- que Rimbaud viveu muito próximo de uma casta de poetas excepcionais; tão próxima que manteve por anos relações homossexuais com o grande poeta Paul Verlaine. E que ainda em Charleville, sua cidade natal, teve a influência do amigo, professor e poeta Georges Izambard, somado a isso temos a ascensão e a “flanação”; ou perambulação criativa, por Paris, em uma época riquíssima de criação artística. Em contra ponto à formação quase que espontânea da poética de Augusto dos Anjos, que teve na figura do pai o Dr. Alexandre, um amante das letras, a única e primeva influência e estimulo. Sobretudo a possibilidade de acesso a jornais vindos periodicamente da Europa com resumos dos mais variados assuntos, incluindo, é claro; poesia. Muito embora ambos perdidos, como tratou Edmund White, um em sua “cidadezinha sonolenta, isolada do grande mundo”. O outro em um engenho decadente no sertão de uma Paraíba do Norte em fins de século. Pontos costuram e descosturam as vidas dos dois poetas, todavia a linha que os une não é uma linha invisível, tem cor opaca, mas não se precisa de muito para percebê-La. Edmund White nos diz em seu Rimbaud -A vida dupla de um rebelde-: O certo é que Rimbaud, mesmo antes dos dezesseis, estava tentando se lançar ao mundo.
Augusto aos quinze, já viajava com freqüência a capital do estado e começava a sua sempre difícil relação com a intelectualidade local.
Vale destacar que Augusto dos Anjos foi um flanêur a sua maneira, pois ao pensarmos que se à época um jovem sair de sua cidade natal para alçar estudo em alguma capital era algo corriqueiro, e ele o fez, indo estudar direito no Recife aos dezenove. Daí a ultrapassar as fronteiras do nordeste de um país continental; se arriscar na “París Brasileira“, o Rio de Janeiro, e assim como Rimbaud, não encontrar apoio, por motivos díspares.

Já em 1870, aos dezesseis, Rimbaud dizia ao amigo Delahaye que iria escrever em uma linguagem nova, inventada: Para criar uma linguagem poética que fale de todos os sentidos, vou pegar palavras dos vocabulários eruditos e técnicos, de línguas estrangeiras, de onde for possível...(White,Edmund)


Não podemos nos furtar de lembrar que essa linguagem nova, técnica e cientificista foi a pedra de torque que a grande maioria da crítica de sua época e muito depois, não cansou de jogar sobre o poeta do Eu.

Entretanto e entre tantos, alguns poucos iluminados conseguiram captar a essência de sua poesia e vemos ainda no ano do lançamento do livro, em 1912, uma das poucas vozes de peso, o ilustre Hermes Fontes, se levantar a favor do poeta:

”É um trabalho de fôlego novo e de feitio moderno”(...)“Todo o livro está cheio de dessas curiosidades, desse alvoroço de idéias novas, harmonias novas, aspirações novas“.(Augusto dos Anjos-Obra Completa, págs 50-51)

Devo ainda citar afirmações do estudo: Origens de uma Poética, de Alexei Bueno, a respeito dos poemas de Augusto; onde diz: “..possuem essa compreensão pós baudelairiana das possibilidades estéticas do horrível que atingiu a poesia ocidental depois de “Une Charogne” (...) De Poe até Baudelaire, depois através de todos os decadentes, de um Richepin da Chanson dês Gueux ou de um Rollinat de Les Névroses, essa audácia poética do afrontamento do terrível, tornado comum na prosa através da análise social dos naturalistas, alcança a poesia brasileira por meio de nossos próprios decadentistas, mais uma prova da filiação simbolista do expressionismo de Augusto dos Anjos. (Augusto dos Anjos- Obra Completa, págs 26-27).

Rimbaud foi considerado o grande decadentista e ainda em Edmund White lemos que se dizia que havia transportado a novas alturas a “nostalgia ignóbil” de Baudelaire e de que era “pertubadoramente difícil de classificar“.

Temos ainda como farinha para nossa massa teórica declarações de um estudioso da envergadura de Álvaro Lins que em seu ensaio “Augusto dos Anjos Poeta Moderno”, afirma dentre outras coisas que:

Se com Baudelaire de quem se costuma aproximá-lo , ele tem em comum o elemento satânico -como estão, no entanto distantes um do outro! Em Baudelaire fundiam-se a preocupação religiosa e a preocupação estética, e o seu olhar, por mais baixo que ele houvesse caído, estava voltado para os céus, como um místico exilado, como um cristão nostálgico. Em Augusto dos Anjos, o naturalismo é o credo, o materialismo é a doutrina, com um sentimento que não ultrapassa o visível e o sensível se não poeticamente, e o seu olhar não está especificamente voltado para os mistérios metafísicos, mas para o subsolo da existência humana(...)Quando se processava sua formação pessoal e literária, o parnasianismo e o simbolismo ainda estavam em plena moda no Brasil(...)Augusto dos Anjos não se enquadrou em nenhuma dessa escolas”(...)Ele é, entre todos os nossos poetas mortos, o único realmente moderno, com uma poesia que pode ser compreendida e sentida como a de um contemporâneo(...)Augusto dos Anjos porém está iluminado por uma projeção de permanente atualidade, que o lança incessantemente para o futuro(...).(Augusto dos Anjos- Obra completa, págs 118-119.)

E ainda a defesa apaixonada de outro grande poeta o maranhense Ferreira Gullar, que atesta em seu ensaio Toda a poesia de Augusto Dos Anjos:

Mas em que me baseio para afirmar que existe no poeta do Eu, elementos que antecipam a linguagem moderna da poesia brasileira? Para responder essa questão, devo primeiramente esclarecer o que entendo por poesia moderna ou nova linguagem da poesia.

O abandono das formas clássicas do poema- a estrofe regular, o verso metrificado, a rima obrigatória-(...) Para conseguir isso, o poeta moderno lança mão de uma série de recursos que constituem as características de sua nova linguagem: construção sintática inusitada, ruptura do ritmo espontâneo da linguagem, choque de palavras e de imagens, enumeração caótica, mistura de formas verbais, coloquiais e eruditas, de palavras vulgares com palavras poéticas, etc.
Alguns destes recurso foram utilizados por Augusto dos Anjos.(Gullar, Ferreira- Augusto dos Anjos, A saga de um poeta.)

Rimbaud foi considerado morto antes de morrer, e antes de ser ou não ser, estar ou não estar, com a publicação “póstuma” do livro: Iluminações, feita por Paul Verlaine, em 1886 , foi saudado como um precursor do Simbolismo, ainda que segundo Edmund White: O mais extraordinário é que em sua breve carreira de escritor, Rimbaud cobriu toda a história da poesia desde o verso latino, passando pelos românticos, parnasianos e simbolistas até os surrealistas, muito antes de existir o surrealismo. Lembrando que ele escreveu toda sua obra entre os quinze e os dezenove anos, e depois literalmente a abandonou, o que reforça a questão da precocidade em Rimbaud, pois mesmo que este tenha vivido, ou sobrevivido mais que Augusto, tendo vindo a falecer com trinta e sete anos, ao passo que nosso vate sucumbiu a uma pneumonia aos trinta anos de idade.

Dentre outras similaridades curiosas e pouco estudadas, há por exemplo, o fato de haverem publicado seus primeiros poemas exatamente aos quinze anos, Rimbaud com seu “A consoada dos orfãos”, na La Revue pour Tous, em 1870 e Augusto Dos Anjos, o soneto “Saudade”, no Almanaque do Estado da Paraíba, no ano de 1900, e mais; a de terem em vida publicado um só livro; o: Saison en Enfer de Rimbaud , em 1873, e o Eu de Augusto dos Anjos, em 1912 . Os poemas foram publicados nos anos seguintes a serem escritos.

E ainda, se não mais importante; o de se cogitar como a origem psicológica da poética de ambos, -e o possível viés psicanalítico deste estudo se estende até aqui- ser um rancor não declarado por suas mães, por terem ambas um caráter severo e tido como ditatorial. Exemplo disso é que especula-se sobre o primeiro grande amor de Augusto, a Srta. Amélia:

Augusto apaixonara-se por uma moça e a engravidara, sua mãe mandara alguns capatazes darem um corretivo na moça que perdeu o filho e veio a falecer. Em outra versão tida da história, ela acabou simplesmente se casando com um rapaz da região dada a proibição do relacionamento por sua mãe.

“Reporta-se a José Lins do Rego, quanto a um depoimento em que o afamado romancista admite haver o poeta escondido ’uma mágoa secreta, um rancor que não confessa, contra a própria mãe’”.

(Filho Antônio Martins, in Reflexões sobre Augusto dos Anjos, Vol. XV da coleção Alagadiço Novo. Acessado em 25/04/2013 às 22:23hrs) .

Não pude comprovar qual é a verdadeira, e mesmo que tenha mantido até o fim de sua vida estreita correspondência com a matriarca, haveria de ter ficado com este ocorrido, mesmo que a simples interdição, eternamente magoado o coração sensível do poeta. Em Rimbaud, podemos dizer a título de ilustração que em seus últimos dias foi praticamente extorquido pela mãe, que comprou terrenos com grande parte do dinheiro que juntou em dez anos de trabalho na África. E que foi deixado pela mãe; aos cuidados da irmã, no leito de morte, pois a mesma tinha negócios a tratar.

Muito se estudou a cerca da influência de Baudelaire sobre a obra anjosiana, é sabido inclusive que ele tinha a segunda edição de Les Fleurs Du Mal, de 1861, encontrada em um sebo paraibano com sua assinatura. Contudo pouco ou quase nada se escreveu em torno das possibilidades de aproximação e ou sequer simples menção a uma possível e direta influência de Rimbaud na obra de Augusto dos Anjos, à exceção de Ademar Vidal ao afirmar que:

“Depois dos dezessete anos entrou noutro regime de leituras, isto é muniu-se de Darwin e Haeckel, Nietzche, Spinoza e Max Nordau, devorando tudo quanto eles escreveram. Rousseau e Renan, os poetas franceses e portugueses, anjos do céu e anjos infernais, Rimbaud e Leopardi, nada ficou sem passar pelos seus olhos, lendo, apreendendo e interpretando com inteligência sutil.” (Vidal, Ademar. O Outro eu de Augusto dos Anjos.)

Os dois poetas guardam inúmeras semelhanças, como por exemplo uma curiosíssima, e que no meu entender prova a filiação inequívoca destes dois poetas.

Em um poema rimbaudiano intitulado H; de Iluminações, lemos na penúltima linha; o verso: L´hydrogène clarteux!, que em uma tradução literal tem-se como : O hidrogênio Luminoso!
Lemos no conhecido poema augustiano, Solilóquio de um Visionário, o famoso verso:
Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais...

Vemos aqui uma tradução livre de Augusto, que por uma questão evidente de manutenção da rima, optou por traduzir “Clarteux”, por “incandescente“, palavra que é perfeitamente cabível como opção de tradução à “luminoso” e que se encontra no mesmo campo semântico.

Há ainda outra; se não coincidência, que é com relação ao que Montgomery José de Vasconcelos chamou de quantidade excessiva de exclamações, reticências e travessões na poesia de Augusto. Podemos também observar, sobretudo na prosa poética de Rimbaud um uso “exagerado” ou incomum dos mesmo três elementos. Questão que por muito interessante está talvez mais ligada ao campo de estudo da linguística e que pretendo neste apenas citar como mais um elemento de aproximação estilística e estética. (Montgomery José de Vasconcelos - a Poética Carnavalizada de Augusto dos Anjos- pgs 58-68)

Percorrer este caminho de afirmação da pré-modernidade na poesia de Augusto dos Anjos é não tão somente uma forma de estabelecermo-nos na posição daqueles, que entendem nosso vate como um precursor do modernismo em terras Brasileiras, bem como fundar uma aproximação ainda mais estreita entre Augusto dos Anjos e o por sua vez; precursor do modernismo em nível mundial, Arthur Rimbaud.

E com isso podermos resgatar e conectar a poesia pantagruélica, como uma modalidade de poesia satânica, nonsense e anárquica, difundida no Brasil por Bernardo Guimarães no segundo momento do romantismo, por Cruz e Souza no simbolismo e por Augusto dos Anjos, herdeiro inconteste da lírica de Cruz e Souza; no pré-modernismo.

Segundo o importante estudo Lira Dissonante de Fabiano Rodrigo da Silva Santos:

“Além disso, o grotesco abre caminho para a compreensão da lírica
Brasileira do Século XIX, por um viés diretamente ligado a poética moderna. Isso porque o grotesco- com seus efeitos dissonantes, forma distorcida e exploração de temas marginais- permite vislumbrar em pleno Brasil oitocentista, o desenvolvimento de obras esteticamente ousadas e críticas, relacionadas intertextualmente à tradições européias pouco rastreadas em nosso país em termos de suas reverberações”

Segundo o grosso da crítica mundial, temos em Rimbaud não só um Satanista, talvez e senão maior que Baudelaire, também um anarquista, simpatizante dos communards da época da Comuna de Paris, em 1871. É sabido que ele esteve em Paris poucas semanas antes da insurreição anarco-comunista e que conviveu com os seus dissidentes não só em França, bem como em suas estadas na Inglaterra. Ainda que saibamos que o termo “anárquico” aqui utilizado não está em seu sentido político, mas sim relativo ao seu caráter transformador e inovador. Todavia a poética, e a prosa poética Rimbaudiana, são impregnadas dos elementos do nonsense, do burlesco e do absurdo, criando mundos e situações fora do contexto mesmo das literaturas feitas à época. Sem esquecermo-nos de que os temas marginais e a vida dos marginalizados sempre foram temas caros tanto a Augusto quanto a Rimbaud que beberam um, e se embebedaram, o outro, em temáticas tidas como próprias de uma baixa cultura, ao menos tidas como tais até bem pouco tempo, na linha do desenvolvimento histórico das literaturas românticas ocidentais.

Lembrando que segundo Fabiano Rodrigo da Silva Santos , e a maioria dos estudiosos da história da literatura Brasileira, a tradição da crítica no Brasil sempre colocou o romantismo em destaque na formação de nossa identidade literária nacional, e praticamente todos os movimentos que se seguiram nasceram sob a bandeira de pró ou contra, sendo reações e contra reações, uns dos outros; face ao romantismo.

“Essa cadeia de reações motivadas pelo romantismo denuncia a atuação de um fenômeno cultural no Brasil a partir do romantismo -a modernidade.”(...)Pode-se concluir assim que a modernidade no Brasil extrai suas especificidades estéticas do conflito entre a tentativa de estar em sintonia com as evoluções artísticas das nações que nos servem de modelo e as possibilidades em geral limitadas, de nosso ambiente cultural” (Fabiano Rodrigo da Silva Santos-Lira Disonante-pg24)

Como é sabido e ainda em Fabiano Rodrigo, a influência Francesa foi determinante para o desenvolvimento do romantismo no Brasil, entretanto nossos poetas herdaram dos franceses características mais ligadas ao nacionalismo e ao civismo, não desenvolvendo as características mais contestadoras que o movimento apresentou, e talvez somente a partir de meados de 1850 podemos perceber o surgimento de uma poética de inspiração grotesca, com Bernardo Guimarães, Alváres de Azevedo e Aureliano Lessa, segundo Antônio Cândido em seu ensaio a Poesia Pantagruélica (Cândido, 1993,p.230).

Como atesta o próprio nome -Pantagruel- o gigante glutão, advém do ciclo de narrativas de Francois Rabelais e trata-se de uma poesia que busca no absurdo, no escatológico, na blasfêmia e no grotesco os elementos de sua poética.

Importante destacar que não intencionamos buscar pontos em comum no tocante ao grotesco nos poetas estudados, ainda que existam, estas confluências ficariam para um estudo maior e mais complexo que aqui pretendemos lançar quiçá a pedra fundamental. Podemos entretanto afirmar que ambos tenham se influenciado por sua vez pelas conhecidas baladas grotescas de tradição anglo-germânicas de escritores mundialmente famosos como Rabelais, Goethe e Hoffman. Todavia é inegável que foram sobremaneira influenciados pelo, dentro da tradição moderna; incontornável Baudelaire. Ao transportarmos tais impressões à poesia de Augusto, filiando-o como herdeiro de Cruz e Souza, vemos que a influência do grotesco, ou pantagruélico, de Bernardo Guimarães, neles, segundo Fabiano Rodrigues é de linha completamente diferente, uma vez que temos em Bernardo algo mais próximo do viés cômico e por sua vez burlesco. Nos casos das poéticas de Cruz e Souza e Augusto, temos um grotesco de caráter mais sério, pessimista e introspectivo, com pode-se dizer; um fundo mais psicológico, trágico e próximo do sublime.

Segundo Antônio Cândido:

“O que restou dela(da poesia pantagruélica) é muito pouco, ou quase nada. Tratando-se de um discurso heterodoxo, os seus próprios praticantes não lhe davam importância prática, como advogados, magistrados, funcionários, parlamentares, diplomatas ou simples chefes de família, punham de lado as provas de loucura da mocidade e com certeza destruíram, como fizeram com a poesia obscena, que jamais pensariam em assim assumir, muito menos publicar, o que aliás seria impossível no tempo. Só Bernardo Guimarães, bem menos convencional, guardou, publicou ou deixou reproduzir algumas de suas produções nesses setores condenados. (Cândido, 1993, p. 230)


3- Com oclusão

Como forma de refletirmos Conclusivamente o até aqui exposto, o que este trabalho procurou lançar luz sobre, é acerca das possibilidades de aproximação real e não tão somente sugestiva, da vida e obra dos dois poetas aqui estudados. Sobre bases que vão além da simples menção a possíveis filiações entre ambos. Procuramos demonstrar que existem características e similaridades, primeiramente no que concerne a vida privada, que vão desde inocentes “coincidências“, como a estréia de ambos na literatura na mesma idade de quinze anos. À outras menos pueris como por exemplo, uma possível origem de uma lírica iconoclasta, ser uma espécie de raiva ou desgosto por suas progenitoras. Temos também questões que nos parecem praticamente incontestes no que se refere a influências, a nosso ver, e para tanto não se precisa de muito. Ao percebermos um caso de “quase plágio” lidos nos poema H, de Rimbaud e Solilóquio de um Visionário, onde lemos uma livre tradução de Augusto de um verso de Rimbaud. E finalmente, mas não por fim, questões nítidas de aproximação no que se refere ao artesanato poético em ambos, em que se lêem-vêem um uso pode-se dizer exagerado dos mesmos sinais gráficos, assinalando mais uma vez a proximidade da urgência estética em suas poéticas.

Penso que tenhamos conseguido minimamente sugerir e demonstrar que existem similaridades reais entre tais, e que os desdobramentos possíveis de características marcantes da poética dos vates estudados, são palpáveis e carecem de estudo, espaço para se desenvolverem e incentivos numa faculdade de letras que parece dar muito pouco ar para que estudos de literatura comparada e de literatura pura, possam respirar.

Nosso intuito neste trabalho foi demonstrar que Augusto dos Anjos teve a influência de vários, não tão somente dos
portugueses, Antero de Quental e Cesário Verde, como normalmente se diz, de Baudelaire ou Rollinat, como normalmente se reduz, mas também influência direta de Rimbaud.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-Reorganizar!-


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Sambaqui.

Não sei por quantos
milhões de ânus..

Se conserva a seiva
De uma natureza morta.

Dois olhos de duas estrelas
Me olharam de soslaio.

Dois sóis de um só planeta
Chamaram-me: lacaio!

Imaginem do conforto do seu lar,

Milhares & Milhares
De conchas..Significação
De toda uma nação..

Mordaz-Tenaz

Verás corpos empilhados.
-Lado a lado ao lado do lodo da estrada-
Resquícios de um passado presente.

Buscografia..
Busco a verdade,
Que nunca será descoberta?!

Busco o arco.
Busco a flexa.

Busco a curva.
Busco a reta.

Brusco.

Se não
Sagaz.

Das incipiências,
a mais voraz.

Sobretudo.
Sobretodos.

Satanaz!!!

A cabana do pai do Tomás.

À Harriet Beecher Stowe


Não sei sequer, se quero, escrever estas linhas.

Não sei se se trata de querer - bem-me-quer, mal me quero - de poder ou não, da mais completa falta de poder, ou de juízo, de empoderamento malfazejo, se desculpa ou ensejo ou de muito pouca inclinação ao trabalho ou ausência de algo pior para fazer...

Não sei se deveria, se o dever ia me transformar em uma pessoa melhor, se existem pessoas melhores ou piores, se existe uma só pessoa boa?!

Sei só que existem pessoas sós...

Não sei nem ao certo se o pai do Tomás ainda vive?

Sei eu só, comigo, sem migo, sem parentes, sem amigos e para o eu que vive em mim mesmo... Que "ele" nunca mais voltou àquela cabana depois daquela ocasião...

Viviam Vivian, sua madrasta, Tomás e eu em confortável casa numa região nem tão nobre nem tão pobre, desta mesma exata cidade em que vives.

Poder-se-ia dizer que éramos uma família abastada, ou abastarda, uma vez que o próprio Tomás era filho torto de um relacionamento extra conjugal que seu pai, o dono da casa e da cabana em questão, tivera quando da ocasião do primeiro casamento. Sua mãe Sulamita sumira em direção a Altamira, pois nunca quis ou pode ter filhos e por não aceitar ser a outra... A outra, que era a original, pedira divórcio por não aceitar nem uma coisa nem (a) outra.

Tomás ficara como um espólio de uma herança maldita.

Vivian chegou como mais uma mulher na vida dele e para bem, ou para mal, nunca fizera em sua(s) vida(s) a menor diferença.

Indiferença era seu segundo nome.

Tomás me era um bom amigo, quase um irmão, melhor que os irmãos que jamais tive.

Tínhamos uma relação afetuosa e para mim, e até onde sei também para ele, de grande valor.

Vivi por anos como uma espécie de agregado da família, uma vez que eu sim sou; fui e sempre serei, órfão de pai, mãe, parentes... Nasci pelo parto normal de uma chocadeira, acredito eu, uma vez que em minha certidão não consta nada além da data e da hora em que fui expelido, numa espelunca qualquer do centro desta mesma cidade.

Fui adotado pela primeira esposa, que, infértil, pensava na caridade e na formação de um núcleo familiar, até a chegada de Tomás... Duas vezes abandonado! Mas não guardei dele o rancor, uma só vez abandonado, não era culpado.

Infrutífero dizer que éramos uma “família” pouco ortodoxa, nem católica, nem protestante, pouco conversávamos, de nada protestávamos, em nada críamos.

Eu era franzino, esquálido, lembrando por vezes o torto esquadro do esboço de um espantalho. Tomás guardava uma compleição também estreita e não exibia nem traço físico digno de maiores notas.

Só a título de curiosidade Vivian parecia um fantasma de tão pálida, branca como o mármore de Carrara e o pai de Tomás, este pode-se, deve-se dizer; era praticamente uma alma despenada! A carranca de um ser. Homem alto, magro, uma barba rala, feita à serrote, com uma cara de lenhador canadense. De absoluta falta de tato ou sentimentos aparentes à parentes.

Vivian era apenas um belo vulto que lá vivia.

Talvez por isso eu e Tomás nos apegáramos tanto um ao outro.

O conforto material pode trazer àqueles que nada tiveram uma certa flexibilidade moral, vindo eventualmente a ser um excelente substituto do carinho ou da afeição, e por que não dizer; um substituto ainda melhor, pois palpável e certo!

Assim sendo e assim tendo sido, devo dizer que tive grande facilidade em me adaptar àqueles a quem o destino me oferecera como família.

Chego hoje distante de tudo e de todos a acreditar, num esforço hercúleo de compreensão sentimental, que em essência kármica não é muito diferente da constituição tradicional, das tradicionais famílias cristãs, mulçumanas ou hinduístas... Afora o fato de que em meu caso dever ia-se acrescentar ao acaso; o azar, ou por fim, a sorte de ter sido um forte, e sobrevivido a tudo, a ponto de vir aqui lhes contar...

Que julguem os juízes!!!


O pai de Tomás além de bem sucedido homem de negócios -todos escusos- era por hobby caçador à moda antiga, daqueles que se orgulhavam e ostentavam cabeças de animais empalhadas, armas e troféus em meio à baranguiçe endêmica da decoração de casas de famílias, de um modo geral...

Como todo mau capetalista e caçador que se preze era um homem frio, distante e calculista, sendo estas qualidades quase que uma espécie de requisito para se vencer na selva da cidade, na guerra dos negócios (escusos ou não) e em campo aberto, no calor da caçada.

Fui trazido ao aconchego do lar desta família desmembrada, numa semana de natal, ainda criança de colo. Tomás era por sua vez não muito maior, Vivian recém-chegada, mais parecia um troféu a mais exposto na gigantesca sala.

O pai de Tomás sempre me parecera um daqueles enormes ursos empalhados que vemos nos desenhos do Pica-pau ou em algum filme de Sessão da Tarde.Imóvel e “impassível como a mobília” com os dentes arqueados saltados para fora, prontos a nos devorar...

É claro, e a um só tempo obscuro, que muito do que sei sobre minha chegada e meus negros primeiros anos me foram contados no leito de morte por Vivian, que vi não mais viver quando ainda jovem, muito jovem.

Três vezes abandonado!, não que tenhamos eu e ela, ou eu Tomás e ela desenvolvido algum específico ou especial amor uns pelos outros, mas talvez e quiça tenhamos tido uns pelos outros, uma espécie de dó mútua que se tornou de certa forma e sob alguma medida em algum tipo de carinho... Contudo muito diferente e distante do que me disseram ser o amor verdadeiro de uma mãe...

Mas ainda aqui Vivian vive! vivo eu e vive Tomás!!!

Quero crer para não ter em absoluta e irresoluta má conta o homem que afinal me criou, me deu um lar, me deu possibilidades físicas reais de me desenvolver e viver... Não ser um homem mau, mas tão somente: amaldiçoado... Amaudiçoado...?!

Este homem passava seus finais de semana em uma cabana que possuía, e que o possuí à beira de um lago em um braço de uma represa, distante uns cerca de 200km da cidade... Raros eram os finais de semana em que tínhamos autorização de para lá nos dirigirmos, família Frankenstein que éramos..

Me lembro de umas poucas ocasiões, tão poucas que não tenho muito o que dizer do local, além de que era uma cabana aos moldes destas dos seriado de Daniel Boone, de madeira, tamanho médio, com uma ampla sala com lareira, e não mais de um ou dois quartos, varanda virada com vistas para o lago parado, e nada mais. Era o retiro do retirante, o lugar onde o pai de Tomás se afastava ainda mais de nós, de todos e de si mesmo...

Acredito que certos homens prescindem de religião ou de cultos para encerrarem em si forças malfazejas... Creio que esse era um desses homens!

Como disse, não que fosse um homem exatamente mau, mas não praticar o bem, é senão uma forma de manter o mau vivo, de perpetuá-lo.

Nunca pude compreender a natureza desses exílios em que ele se metia, tão pouco Tomás,que, criança mimada que era e sujeito assujeitado que se tornou, nunca se pronunciou ou questionou-o a respeito de nada... E Vivian vivia vida vadia vazia vaticina e vulgar de madame de porra nenhuma.

E assim foram-se os anos passando e atropelando-nos, tendo eu como podem ver me tornado quando muito em um cínico e inescrupuloso herdeiro de uma se não boa situação, ao menos infinitamente melhor do que teria, e tive; por nascença.

Mas algo em mim levou-me a desenvolver um lado espiritualista, dir-se-ia-se, e me descobri um tipo de sensitivo, de médium... Médico da alma.

Lembro-me, como se fosse amanhã, da primeira vez em que percebi naquela cabana os espíritos de animais mortos, e o espírito morto daquele animal vivo a que chamávamos de pai.

Havia uma coruja empalhada que me olhava com seus olhos amarelos esbugalhados e suas enormes asas abertas e me dizia:

-Esse homem caça algo mais que simples corpos! Atenta-te!!!

Gostaria de dizer em minha defesa que, até onde sei, estes “dons”, são algo que vem naturalmente, não sendo uma escolha ou algo que escolhemos, apenas sentidos, apenas sentimos.

E como tudo o que está além do mundo físico-tísico da vã compreensão humana, nos é dado como uma herança macabra por motivos que desconheço.

Anteriormente numa última noite de final do último ano em que viveu, senti, ao cruzar com o pai de Tomás pelo corredor da casa, um calafrio tão frio percorrer-me todo o corpo que creio que se não estivéssemos no aconchego do lar em pleno verão tropical, ter-me-ia congelado as tripas! quando olhei-o de volta vi - juro por todo o panteão dos deuses gregos e hindus - Vi um vulto se despregar dele como um prego se solta de uma parede de gesso!

Confuso culpei o vinho pela visão que tive... Mas ao me recostar ao travesseiro aquele vulto me veio e se deitou comigo, pregado ao meu sensível e sensitivo ser como um prego de aço em muro de concreto!

Dali, sem Gala, em diante, fui-me quedando cada vez mais distante daquela figura paterna, que a mim nunca fora exatamente fraterna... Mas sofro por Tomás!

Talvez tal hiper-sensibilidade e desapego naturais de órfão tenham a mim sido dados para protegê-lo do gelo daquele coração, da família despedaçada, da sorte amaldiçoada que tivera Tomás...

Tão pouco eu sou um homem de fé, quiçá de fezes!

Entretanto e hoje distante, digo-lhes ceticamente pensar ser eu, espécie qualquer de anjo da guarda daquele meu torto irmão.

Senti, sentia, que agora naquela casa vazia, sem a presença de uma alma feminina, estávamos cada vez mais enclausurados àquele espírito inferior, àquele espectro ambulante, que ao cabo tinha erguido um império de nada! de dinheiro distância desdém e desunião...

Nessa altura, uma vez que tínhamos Tomás e eu atingidos a maioridade legal, ele não mais precisava legalmente de nos fornecer sequer sua presença física, isolando-se agora quase completamente em sua cabana à caça de suas almas.

Próximo da região em que se desencontrava a tal cabana, existia-resistia uma comunidade de índios Maxacali que dividia com o pai de Tomás o fruto de suas caças, tendo sido por várias vezes surpreendido e repreendido pelos índios devido a seus métodos nada éticos, mas não chegando a terem nenhum tipo de desentendimento mais grave, ou querela que pudesse render problemas para quaisquer um dos lados...

O único detalhe que vim posteriormente ouvir contar, através de inquérito policial, é que o pajé da tribo, declarara sentir um grande vazio se apoderar de toda a região na mesma época em que ele construíra a cabana e que começara suas incisivas caçadas.

Me foi ainda relatado pelos oficias, e não oficialmente pelo pajé, que na época em que foi visto pela última vez havia sido encontrado na região um grande lobo, como não se via há anos, e que este animal rondara a cabana, e a tribo, por noites sem fim. Talvez não por coincidência o pai de Tomás passara a viver em definitivo na cabana, nos deixando com uma governanta na casa na cidade. A obsessão pela caçada o prendera em definitivo e nós não representávamos mais nem espetáculo nem empecilho a seu espírito empobrecido.

Era um começo de uma manhã ainda muito escura e o caçador terminava de arrumar seu arsenal no silêncio sepulcral da aurora, quando como uma lufada de vento o enorme lobo atravessou a janela da cabana, re transformando o vidro em areia... Desfazendo-se da carne, voltando a ser carbono, éter e hidrogênio como um gênio que sai em forma de fumaça de sua lâmpada, entrou como uma tempestade para dentro do corpo do caçador, que, retorcendo-se enlouquecido uivando enfurecido, pegou com uma das ainda mãos - a outra pata se debatia no chão da cabana, fazendo-se ouvir o barulho infernal por toda a região- e atirou através do crânio do monstro uma bala tão poderosa que se alojou pra sempre na alma daquele que um dia fora um homem...