segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Tradução Direta palestra Doris Salcedo -Getty Institute- Obra: NEITHER!

Doris Salcedo sentada a minha direita é de Bogotá – Colômbia- , ela vive e travalha lá agora e viaja bastante. Ela estudou na universidade lá e também na M.I.U em Nova York. Tem exposições desde 1985 em Bogotá, Suiça, Londres, França e nos E.U.A com grandes instalações, uma delas da qual vai nos falar esta noite e que se chama: Neither, - Nem um nem outro- (A entrevistadora brinca com a pronúncia e pergunta qual é a preferida dela; ao que Doris responde: Nem uma nem outra!), que fez na galeria Cubo Branco (White Cube), em Londres. E talvez muitos de vocês viram, como eu , a grande peça Shibboleth, que agora está na ‘Sala Turbina’ da Tate Modern em Londres. Doris estava no Carneggie Internacional em Istambul em 2003 e em uma apresentação que foi muito importante no E.U.A; chamada: Artes nas Américas no instituto de arte de chicago. Seu trabalho está voltado para os mais profundos fatos e questões políticas de nossos dias e passado recentes. De modo a fazê-lo ela trabalhou com materiais dos mais difíceis.

Então Doris vai nos falar sobre uma dessas instalações: Neither.

Escolhi Neither para apresentar-lhes esta noite, pois o seu processo de construção foi inteiramente um processo de restauração. O processo de construção dessa peça foi um processo de reparo do começo até o presente momento. Fazer esta peça foi uma tentativa todo tempo de restaurar a realidade, como se realidade pudesse ser consertada pela escultura. Foi uma tentativa vã de reparar os espaços interiores que tínhamos, pois acredito que nossos espaços íntimos e privados foram penetrados ou invadidos pelas mais extremas forças exteriores. Por anos mantive arquivos sobre campos de concentração, tanto os históricos e as variações contemporâneas deles...E tenho estado interessada em espaços, como Hanna Arendt escreveu: “Onde tudo é possível”...Mas não estava tão somente preocupada com as atrocidades que ocorreram, e que continuam a ocorrer nesses espaços, mas principalmente foco meus questionamentos nos aspectos das sociedades que fazem possível a existência de lugares onde absolutamente nenhuma condição humana é viável. Com esta obra queria endereçar a ambiguidade perversa que caracteriza estes espaços, onde humanos destituídos são incluídos em territórios que representam a absoluta exclusão da sociedade. Os campos de concentração não são simplesmente um evento aterrador produzido por um estado doente, e não pode ser reduzido a uma “proporção germânica’, pois desde 1896 quando os espanhóis o inventaram e implementaram os primeiros campos de concentração em Cuba, até agora, muita história correu e teve seu delta ao ‘estilo Guantânamo’. Acredito que os campos de concentração se tornaram a expressão em essência da estrutura política de nossos tempos. E ainda da brutal exclusão nos campos de concentração, tem sido enxertados em nossas vidas.
Irei sumarizar um extremamente longo e absurdo processo de construção dessa obra em apenas alguns passos...O processo de construção de Neither, implicou em um exuberante desperdício de recurso e energia. Geoge Battaille escreveu que: “Não é necessário ...Perdão... Não é a necessidade, mas o excesso de luxúria que pressente a humanidade, o processo mais fundamental”. Então o processo de construção desta obra era, literal...Eu queria enxertar uma cerca de ferro, a mais extrema forma da exterioridade, dentro de uma parede branca, no espaço de uma parede interna.

Para isto escolhi trabalhar com dois materiais: A cerca de ferro e então, apenas um dry-wall.

Primeiramente peguei a cerca e amolei como uma faca, a superfície toda, um só lado dela, e então pequenos veios foram cortados no dry-wall de acordo com o formato de cada fragmento de cerca. A cerca não era perfeita; era meio irregular de certa forma.
Depois aplicamos glicerina – a que veem na imagem- em cada um dos cortes no dry-wall para dissolver o gesso... Pois depois iríamos pressionar e forçar o metal no dry-wall. Precisávamos dissolver o gesso para que o dry-wall não quebrasse ou fraturasse...1.000 toneladas de pressão foram aplicadas em cada metro quadrado da superfície da peça de forma a enterrar o metal no dry-wall. Após isto o processo de reparo começou. Nesse processo eu estava tentando obter níveis diferentes de estrago.

Vocês podem ver como a peça saiu da prensa bastante estragada, e queria reter alguns desses estragos, mas também queria diferentes graus de estragos ficassem presentes de maneira que fosse difícil discernir realmente como essa peça foi feita.
Vocês podem ver...isso é onde os encaixes estavam quase completamente enxertadas na superfície. Para mim a ambiguidade, a incerteza do processo é muito importante nesta peça, pois diz desta ambiguidade e incertitude em que vivemos. O próximo passo - Vocês veem os reparos no estúdio-, foi montar/juntar os fragmentos.

Foi um grande quebra cabeça, eram 340 painéis e cada painel tinha uma forma diferente, e então para conseguir uma transição visual suave entre um painel e outro...-Vocês podem ver que sofreram grandes danos no processo- .

A técnica...aqui estamos montando juntando partes dele- os cantos- usamos um ambiente inteiro...A técnica que tivemos que usar infligiu danos constantes nas peças. Tivemos que trabalhar junto diferentes fragmentos no encaixe e então restaurar a qualidade do encaixe, o que significa lixar e pintar... A idéia era tornar vários fragmentos em uma única grande cerca. Constantemente tínhamos que restaurá-la – estes são os processos da restauração... um encaixe que foi consertado...A instalação dessa peça foi extremamente difícil e requeriu colocar as peças nessas estruturas pré-fabricadas e então tivemos que juntar os 340 painéis .
Os materiais escolhidos, gesso e aço, não gostam um do outro e se o nível de umidade não estiver regular e perfeitamente controlado, o metal começa a enferrujar e manchar o dry-wall.

–Aqui nos preparamos para a instalação-.

O Processo de instalação sempre implica um passo prévio de restauração/conservação dos painéis. Para juntar cada painel tive que adicionar papel para poder instalar /reinstalar apropriadamente.
Neither literalmente justapõe interioridade e exterioridade, é um espaço interior que nega a possibilidade de interioridade, intimidade -Aqui estou mostrando imagens do modo que os painéis foram esquematizados na época-

Mais imagens da instalação... –Reparando constantemente- E aí temos a obra acabada...
E esse espaço, estava dizendo: é um espaço que nega a possibilidade de intimidade, interioridade e definitivamente o que eu estava tentando conseguir era a impossibilidade da lembrança naquele espaço.

Neither é um espaço indeterminado localizado além de meu poder, para articular, entender e medir a estrutura política em que vivemos. É um espaço sobre incertitude, ambiguidade, é uma obra simultaneamente localizada dentro e fora do espectador- O epicentro da catástrofe.

Acredito fortemente que Neither não tem que narrar nenhuma história, pois a experiência a que se destina é bem conhecida de todos. Ela atesta o fato de que existe uma fronteira comum entre o que vemos na televisão e nossas vidas, entre esses seres humanos e nós. É uma obra suspensa num tipo de tempo morto, num tempo deslocado que quebra o acordo para uma ordem cronológica. Não é o tempo presente construído sobre instantes contínuos, é mais uma duração imobilizada onde o todo das lembranças está suspenso. Há um silêncio radical, pois eu queria desassociar meu trabalho do modo que a arte política tem sempre representado o sofrimento, a maioria é representada como um espetáculo. Algo que podemos olhar e a implicação é que simplesmente olhamos, e não podemos pará-lo, e a inatividade do voyeur sub-valoriza esta impotência. Por essa razão esse é um trabalho para ser “experienciado”, vivido.

Não há nada para ver e somos deixados sem palavras para descrever o intolerável.

2 comentários:

  1. Tradução feita a partir de um vídeo do Getty Conservation Institute, feita sob encomenda por a professora Magali Sehn, da Escola de Belas Artes EBA_UFMG, minha ex-orientadora na matéria Conservação Preventiva de Arte Contemporânea, e no projeto Galerias do CCULT_UFMG_

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