segunda-feira, 1 de abril de 2013

O Amolador de Facas - 1ª Parte-




Verdade é que nunca fui exatamente um sincero apreciador de cultura popular, e ao contrário de meu pai , que se emocionava verdadeiramente consigo no máximo respeitar suas manifestações e chego a gostar de algumas cores ou ritmos, não sendo portanto um completo desafeito ou desafeto como queiram, de suas legítimas representações.

O caso é que daí a aceitar, ou melhor, suportar aqueles, graças ao céus, cada vez mais raros, vendedores ambulantes que circulam pelos bairros ofertando com sua ladainha os mais diversos produtos, é outra estória..

Me dei conta de que tais situações ocorrem em maior profusão e com maior euforia em bairros de menor poder aquisitivo e em uma razão diretamente proporcional a esta, este ou isto.

Ainda não me ocorreu de vir a me locar em algum aglomerado, é verdade, com isto não poderia enumerar ou detalhar quais dentre estes profissionais usualmente podemos nos deparar nas vilas e favelas de nossas cidades. Certo é de que estão lá representados em gênero, número e grau..

Entretanto e em meio aos percalços de minha; já nem tão curta existência, tive a oportunidade, e fui do prazer a agonia, de habitar; pernoitar; alugar; ocupar; dividir; dever..passar por um número quase infinito de bairros, ruas, ruelas, vielas e quebradas desta cidade, e não só desta cidade, qual seja ela, uma vez que a história que pretendo aqui contar poderia ter se passado em qualquer cidade..tive ainda com o acúmulo destas variadas e variáveis experiências a insatisfação de contabilizar um número bastante expressivo de tais profissionais isso sem contar os carros de som, verdadeiros arautos do inferno suburbano que propagandeiam e protagonizam, enquanto o cidadão agoniza, desde o sacolão e suas imperdíveis ofertas até a programação do bailão ou aquele recadinho de bom gosto para sua vizinha aniversariante..

Certa feita, então nas alturas de uma ruazinha chinfrim de uma esquina suspeita em que morei e trabalhei contei-os e categorizei-os em número de nove diferentes classes: O primeiro, em todos os sentidos, era se não nosso eterno amigo Padeiro! daqueles com uma bicicleta barra forte, um cestão de palha na frente e outro menor atrás, uma irritante buzina que lhe dá bom dia antes do dia sequer começar a ficar bom ou não, eles são geralmente são magros e orelhudos, o por que disto não consegui verificar.

Seguido pelo padeiro vem o menos vespertino, entretanto também diário, caminhão do gás que em verdade muito freqüentemente não passa de algum Fiat 147 cortado com um alto falante comprado em algum topa tudo e parafusado ou na fuselagem, ou naqueles suportes pretos supostamente projetados como maleiro ou qualquer coisa que o não valha.

Logo em seguida e não menos freqüentemente; o amado ’carro do sorvete’, que para minha surpresa já vi em versão bicicleta, triciclo e carrinho de mão! sendo o preferido e mais comumente utilizado, a versão carrinho de sorvete mesmo..daqueles quadrados que não sei porque diachos sempre me remete a aqueles pedalins de parques municipais..

Existe ainda uma versão ‘mais moderna‘, pós Ford T..Talvez a única que oficialmente pudesse usar a alcunha; carro do sorvete, uma vez que os empreendedores deste lucrativo ramo no intuito de cobrir e vender mais e mais rápido, um quase tunning , adaptam suas variants e brasílias, via de regra, deve existir inclusive uma explicação lógica para tal, uma vez que nunca vi um Fiat 147 vendendo sorvete, ou uma variant vendendo gás..ou vice versa..e as transformam em verdadeiros oásis de frescor no calor do verão suburbano..onde geralmente a chapa já é..quente por ‘natureza’..

Prosseguindo em nossa contagem, gostaria de citar um velhinho que aparentemente transformara um carrinho de pipoca?! em uma doceria ambulante e percorria o tal bairro com seu carrinho de doce, anunciado por um apito irritante e ensurdecedor, que a ele já ensurdecera a uns vinte ou trinta anos atrás, que além de ensurdecer a adultos e crianças espalhava cáries por onde passava..e por falar em cárie, não devemos nos esquecer de acrescentar em nossa contabilidade folclórico-urbana- da pessoa do vendedor de biju! Sim, aqueles canudos sem graça e sem gosto que hoje são ainda raramente vistos nos sinais e que até bem pouco tempo se aventuravam pelos bairros das cidades fazendo com suas ‘claquetes’ um verdadeiro samba, capaz de deixar qualquer um doido, e não só os crioulos!

Passavam ainda na tal rua, e destes só me lembro de anteriormente havê-los visto em bairros ainda muito mais simples do que este, ainda que também extremamente simples o fosse este em que na ocasião me (des)encontrava. São uns caras com uma espécie de charrete de ferro híbrida de bicicleta, que porra era aquela afinal? Enfim..com a diferença de ser um tipo invertido, pois a traseira ficava na frente e o condutor, ou empurrador, depende, ficava atrás, podendo é claro inverter a ordem caso precisasse subir no meio fio, passar por quebra molas ou buracos..tais profissionais se ocupavam da venda, neste concorrido mercado de artigos de primeira grandeza e necessidade, de artigos tais como; vasos de planta; de plástico, plantas de plástico, capas de DVD; de plástico, de máquina de lavar, de microondas, de liquidificador; todas de plástico, de rodinhas para fogão; de plástico, suportes para botijão; de plástico, relógios de parede; de plástico, com o sagrado coração de Jesus..sapateiros de couro, cintos de couro, carteiras de couro, chapéus de couro, colchas, redes, tapetes, almofadas, tábuas de passar, filtros de barro e uma série de etc´ssss, tão etc´sss e tão na medida da necessidade do cliente que poderíamos ficar aqui por horas enumerando e alternando os possíveis tipos de produtos..não sendo raro a ocorrência de peculiaridades características das diversas regiões dos mais variados subúrbios do país, em razão direta e proporcional aos diferentes e correlacionais tipos de contingentes populacionais específicos, de acordo com o substrato migratório a que pertençam, imaginando novamente que poderíamos graças a esta rica diversidade cultural de nossa nação pensarmos numa versão quilombola ou rural destes empreendedores, onde os tais estariam vendendo seus produtos, vi isto ocorrer no nordeste do país, em charretes verdadeiras, ou lombo de burros..verdadeiros.



Putz, viajei tanto que perdi a conta de quantos ambulantes contabilizamos até o momento..!?

Foram, salvo engano e de trás pra frente: O carreteiro, vamos assim chamá-lo, O eterno vendedor de biju, O doceiro, O sorveteiro, O caminhão do gás e O padeiro. Quantos deram então até aqui?..um mais são dois, tem o terceiro, acrescenta outro, trepa um mais um..Seis! considerando que cada um passa em média umas três vezes por dia, temos 6 repetido três vezes..6 6 6 ??? ZéZuZ..!!!

Aleluia irmãos tudo começa a fazer sentido! Entretanto todavia contudo..me pergunto como conseguirei concluir a enumeração plena, justa e coerente de todos os nove tipos, dos nossos nove ‘heróis’ escolhidos, resistentes representantes reprodutores do sub-comércio, da orgulhosa cultura de bairro suburbana latino americana, do resto do que os Cdl´s esqueceram de fora de seus shoppings centers, seus malls (Leia-se Maus..Ruins, perversos e perniciosos comércios elitistas, e segregacionistas.)..é verdade que hoje temos os shopps populares, mas daí é um negócio que está mais para camelância e tal..

Mas meu medo mortal e maior é de como terei a audácia, a coragem, com qual pretexto irei contar, como poderei descrever a história do nono, a quem farei jus a quem magoarei, como e porque contar história; do Amolador De Facas..?

Escolhi o número de nove por ser este um número místico cabalístico..não que eu seja exatamente um místico ou jamais tenha tido um caballo..ou mesmo, dê grandes importâncias ao que consideram e dizem, os de plantão..

Por isso o nono tinha que ser ele, não poderia ser ninguém que não o amolador..

De todo, persistindo em nossa contagem urbano-social-coloquial, paro e penso quem colocar no sétimo lugar desta lista?

Um legítímo e tradicional ambulante como viemos classificando, ou a última geração em termos de profissionais desta área de ’Ambulância’, sem querer forçar a neologia.

(Curioso notar a propósito que dos um ano e poucos que ali residi, não ouvi ou vi sequer uma ambulância.. pobre ou está morto ou está vivo, mais prático, rápido e barato. Afinal não dá tempo de adoecer, isso é um luxo de rico.)

Findado o dilema e firmada a pena, com decisão inequívoca e espírito pelo éter renovado faço saber a quem interessar possa a ordem que se estabeleceu:

1- Padeiro.

2-Caminhão do Gás.

3-Sorveteiro.

4-Doceiro.

5-Vendedor de Bijú.

6-Carreteiro.

7- O carrinho de Yakult!

8-O carro da pamonha!!


E o número 9, ele; O Amolador De Facas!!!


Explico, se me permitem, como cheguei a tão difícil conclusão no tocante a cruel questão que me assaltou na hora da escolha do sétimo e do oitavos lugares.

Antes que os mais puristas cheguem com suas pesadas réguas e julgamentos reconhecidos em cartório, entrego minha tábua de salvação e explico-me defendendo-me se preciso for do argumento fácil de que os carrinhos de Yakult não seriam representantes da verdadeira cultura da ’ambulância’!?..digo ao contrário e a pleno furor de meus pulmões que não!Ops, digo: que sim!, ainda que audaciosos ultrapassem as fronteiras sociais, nada invisíveis de nossas organizações urbanas, ao se lançarem na aventura de explorar, numa inversão-ataque aos valores burgueses estetizantes e extasiantes de bairros de níveis sociais altos, algo até então impensável ou inatingível! Até porque as brasílias, variants e Fiat´s 147 não conseguem chegar tão longe, fisicamente falando mesmo..

Por tudo isso em meu entender os carrinhos de Yakult são as novas bigas! e seus condutores- empreendedores, estertores de uma nova ordem mundial no mundinho destes profissionais, personificando não só o futuro, plastificado hermeticamente nas embalagens de seus produtos, mas preconizando a modernidade dentro da pós modernidade!?

Por ‘fim‘, em oitavo, mas não por menos, os eternos, bucólicos e amados por gerações; Carros Da Pamonha!

Como não comê-las, como; até a palavra come..como não sentir o cheiro adocicado quase romântico daquela mistura tão brasileira do verde, da palha entumecida com o amarelo do milho fresco e cremoso..

Puxa vida! Se não o mais tradicional dos heróis desta lista, sem demérito do nosso querido padeiro que todos os dias as 5 e pouco da madruga nos surpreende com sua buzina-sanfona criminosa e atonal e seu pão já tão incrivelmente frio..se não o mais tradicional, certamente menos incômodo..

Chegando ao fim desta lista chego também ao fim de minhas forças e ao recomeço de meu incômodo maior; o de encontrar as palavras corretas e a força necessária para escrever o que me propus a descrever, mas que e ainda não pude fazê-lo..


A terrível, temível e inigualável estória do nosso último personagem, estória que tem vida própria, e quantas vidas eu tivesse em todas elas eu a temeria!..Estremeço esmoreço e me delongo, como já devem com razão terem pensado, por não conseguir encontrar os meios ou mesmo as palavras para descrever os horrores que ouvi, a emoção aperta e treme a pena!

Por inúmeras vezes, e entre vários copos, depois de inúmeras drogas legais e ilegais, entre traficantes, psiquiatras e alguns padres, me pegava pensando naquela estória, talvez a raiz de minha profunda antipatia pelas pessoas-profissionais ou não, honestos ou não, barulhentos ou silenciosos.. vendedores ambulantes! mesmo quando parados, vivos ou mortos?

Lhes antecipo minhas desculpas, pois ainda hoje me descontrolo quando lembro de tudo que ouvi, do que acho que ouvi, do que entendi e do que acreditei.. Por vezes chego a não ter mais sequer a certeza de que se o que vivi, a estória que ouvi, a situação como um todo, como um nada..foi verdade ou foi um terrível pesadelo pra mim e sobretudo para aquelas crianças..

FIM DA PRIMEIRA PARTE-

5 comentários:

  1. Primeiro conto jamais escrito..publicado não casualmente em um 1º de Abril..

    Não sei se conto, se relato se história de cigano..se não me engano é um pouco de tudo isso..

    A segunda e última parte, será publicada no dia 10 de Abril em comemoração as esfeméride de meu aniversário!

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  2. ..as efeméride..ou à efeméride..tipo isso ou qualquer coisa que o não valha..aliás, continuo agradecido e carecido de leitores críticos que vão além de um "CU RTI" de fakebook..

    Abraços aos possíveis leitores e seguidores!?!

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    1. P.Q.P..AS EFEMÉRIDES!!!

      Revisores de plantão..ajudem-me?!

      Se escreves sabes que se chega a um ponto de não se enxergar mais os erros, por maiores que sejam..enfim..Grato pela compreensão!?

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  3. Este texto está ótimo!!! Um dos que mais gostei no blog até hoje! Gostei pela simplicidade, humor, sinceridade e por ter me transportado à dias tão felizes da minha infância; infância e felicidade estas, que foram construídas com muitas pamonhas de milho verde "Pamonha, pamonha, pamonha quentinha..." que eram sempre vendidas numa kombi branca (já na época caindo aos pedaços); biju era algo que eu realmente amava! Quando escutava as tais "claquetes" saia correndo para comprar aquele doce (?) estranho, que acabava em poucos segundos. Aqui em Portugal, descobri uma coisa quase idêntica, porém menor, tipo uns canudinhos, mas com o mesmíssimo sabor! :) Você não mencionou os vendedores de algodão doce... daqueles bem coloridos (rosas, azuis e amarelos), estes sim, talvez os maiores distribuidores de cáries da América Latina!hahaha * e a corneta deles é mto chata! Só nunca ví gás ser vendido em Fiat 147 e nem sorvete em Variantes! Tudo isto é irritante mesmo, mas para mim, nada, nada, consegue ser pior do que as caixas de som nas portas das lojas, competindo não exatamente promoções, mas altura do som de suas propagandas! Em segundo lugar, os anunciadores de "Dentiiiiiista!!", "Salão!!" Ou qualquer idiota que pague um ser humano para fingir que não é um, vestido em cachorro de pelúcia para anunciar o que quer que seja; ou vestido de dentão, de super-herói ou do que for, geralmente sob um calor de 32 graus!
    Aguardarei pela segunda parte!

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